A idade já não é um posto.
Já se foram os anos em que, quanto mais velho, maior a importância e a responsabilidade dentro de uma organização.
Confesso que não choro por esses dias.
A premissa de base de uma afirmação como esta está, no seu âmago, totalmente desconforme e descentrada do mundo em que vivemos actualmente. Todavia, ainda são muitas as mentalidades, as empresas e os profissionais que pensam dessa forma. Como diria alguém que conheço, temos que esperar que se reformem. Porém, apesar do seu afastamento, não é certo que o mindset se altere.
A competência, a responsabilidade, a liderança, o comportamento, o idealismo, a inovação, o compromisso, são características e modos de ser que não estão associados à idade. Não é por ser mais nova que não sou responsável e não é, de certeza, por ser mais velha que não tenho ideais ou ideias novas. É tudo uma questão de mentalidade, de cultura, de educação e de predisposição e propósito de vida. Um barómetro etário aplicado à avaliação de pessoas será, muito certamente, uma escolha arbitrária, fundamentalista e, acima de tudo, uma impropriedade.
O preconceito relativo à idade é uma discriminação como outra qualquer, seja de raça, de etnia, de género ou de religião. É um tabu, não se fala dele, faz-se de conta que não se vê, olha-se para o lado e espera-se que, talvez, um dia, alguém o denuncie com voz, legitimidade e com conhecimento de facto.
Estamos quase no fim do ano 2021. Em pleno século XXI, na sociedade portuguesa, passa-se ao lado do que é desconfortável. Não é cool contar no LinkedIn o que se pensa verdadeiramente sobre o mercado de trabalho e sobre o conservadorismo em que assenta a contratação para o mesmo. Não fica bem, publicamente, assumir o desagrado de uma realidade que assola a vida de muitos jovens e de outros tantos não tão jovens. O desemprego é um indicador que evidencia o equilíbrio entre forças empresariais, estatais e individuais, sendo que a sua composição revela, claramente, qual a estratégia seguida por um país (ou a falta dela).
No caso português, são muitas as incongruências e inconsistências que rodeiam o cálculo deste indicador. Para que apresente um ‘valor’ aceitável, são muitas as variáveis que ficam de fora. Os recibos verdes são uma zona mais que cinzenta, tal como o trabalho temporário e o próprio conceito de formação. Tudo é motivo para expurgar casos que não contribuam para engordar os números oficiais de tal desalento nacional. E parece ser bem melhor politicamente ser precário do que desempregado.
Não obstante os incómodos económicos, socialmente, estar desempregado é como ter uma doença, seja lá ela física ou mental. Como se estar neste estado fosse uma escolha própria ou uma bênção do Olimpo. Vá-se lá entender as mentes brilhantes do nosso país.
Portanto, estar desempregado, per si, já é suficientemente gravoso, um atentado à ordem social, junte-se-lhe, agora, ter menos de 25 anos e mais de 50. É o descalabro, a derrocada da reputação, da moral e dos bons costumes. Gente boa não está desempregada. Só gente distraída, ineficiente e doente.
Tenho, presentemente, 47 anos, sou mulher e estou desempregada. No que toca à procura de emprego, sinto-me como se tivesse 85 anos e como se fosse contagiosa. Não é fácil não pertencer ao padrão, ao habitual e a não estar dentro da caixa. Aqueles que não se adequam à média, que são outliers, estão lixados em Portugal. Oficialmente, não, mas, na realidade, sim, estão.
A questão da limitação da idade no acesso ao emprego é complexa e aborda aspectos controversos e sensíveis a cada um de nós. Se, por um lado, saíste da faculdade e não tens experiência, por outro, se tens uma carreira de 20 anos, tens experiência a mais. Para todos os efeitos, os mais jovens ainda não nasceram e os mais velhos estão obsoletos. Não há um equilíbrio, nem políticas públicas que nos valham.
Para os jovens, esconde-se a precaridade atrás de estágios. A minha alma chora quando, mais amiúde do que seria de convir, leio que o estágio é remunerado. Mas os jovens não são pessoas? Não respiram, comem, bebem e dormem como todas as outras? Pelos vistos, não, não são humanos, como tal não precisam de dinheiro. O dinheiro, afinal, corrompe e não os queremos com vícios. Na minha opinião, este comportamento tem um nome e, de facto, fomos pioneiros no mundo a difundi-lo: exploração (para não usar o termo ‘escravidão’). Coloca-se a força de trabalho ao serviço de uma entidade ou país sem a remunerar como contrapartida desse mesmo serviço. Como lhe chamariam? Pois.
Para os mais velhos, leia-se mais de 50 anos (na verdade, mais de 45), as coisas, também, não são transparentes. Ouve-se muito ‘o seu perfil não se enquadra nas especificidades da função’ ou ‘após análise cuidada, verificámos que existem outros candidatos com um perfil mais alinhado com a função’. Chapa 5, igual para todos. Já me aconteceu, inclusive, receber uma resposta deste género para uma função diferente daquela a que me candidatei. Pois. Cuidada, não é?
‘É o que temos’ é a frase que se repete, desprovida de conteúdo e que serve de justificação para tudo. É assim, temos que aceitar, não há volta a dar. Ou, então, isto é Portugal, o que esperavas? Esperava respeito, seja em Portugal ou em qualquer outro lugar. É o mínimo que, enquanto seres humanos, temos que exigir.
Em ambos os casos, existe, ainda, uma modalidade, cada vez mais, utilizada. Falamos da ‘consultoria gratuita’. Ou seja, quando, em resposta a um determinado anúncio de emprego, nos ‘convidam’ a apresentar ideias estratégicas de como resolveríamos um problema específico ou que soluções (nacionais e internacionais) poderíamos argumentar para solucionar a questão. Há quem chame a este pedido ‘criatividade’, aferir das competências analíticas e soft skills do candidato. Mais uma vez, e sempre que solicitado numa primeira fase do processo de recrutamento, chamo-lhe ‘exploração’ e ‘fishing’, quase se como se tratasse de contraespionagem. Desonesto, manipulador e com o intuito de aquisição de dados não autorizados. Será que as boas práticas só se aplicam aos candidatos? Então, não existe um código de conduta para as organizações que aplicam este tipo de método? Pois.
É o que temos.
Os processos de recrutamento deveriam ser cristalinos, sem qualquer margem de dúvida e deviam, principalmente, promover a democracia no acesso ao emprego. Sejamos jovens ou velhos, somos pessoas. Temos expectativas, planos para o futuro, sonhos e objectivos. Aos 25, somos joviais, enérgicos, agentes da mudança, dinâmicos. Aos 50, somos diplomatas, maduros, cautelosos, experientes. Não somos incompatíveis, somos, sim, complementares.
A ausência de acesso nesta ‘desselecção’, que não é natural, leva profissionais altamente competentes e com percursos académicos brilhantes a considerar, aos 50 anos, a possibilidade de uma pré-reforma. Com tantas pessoas incompetentes, imbecis e dementes, com patologias que roçam as bases do fascismo e do imperialismo, que têm emprego (e algumas delas, em cargos soberanos), não temos espaço para as outras? Para as que trazem resultados, que inspiram equipas, que transpiram conhecimento?
Não, parece que não.
De facto, este país não é para velhos (ou para muito novos) e é só para os espertos.
Todos sabemos que se não doer é porque não está a fazer efeito. Para mudar este tipo de mentalidade é preciso persistir, insistir, incomodar, ser rebelde e politicamente incorrecto e lutar todos os dias e com todas as palavras ao nosso alcance contra os privilegiados, contra os conceitos medianos e contra as políticas medíocres não centradas no indivíduo, mas sim no interesse económico. Vai ser penoso e vai doer, mas chegaremos a bom porto, com organizações verdadeiramente inclusivas e com práticas de não discriminação que trabalhem para a evolução, simultânea, económica, social e ambiental.
Autora: Ana Paula Mira